sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

A importância da literatura para o homem de cultura universitária, qualquer que seja sua especialização (clique aqui e leia mais)

por Maurício Tragtenberg**

A mensagem literária dirige-se hoje para um homem que vive numa época de especialização, que exige o culto às ciências naturais como o único digno de si. Partindo dessa premissa, uma evidência nos aponta: encontramos médicos, engenheiros e advogados, mas não o “homem” inserido nessas profissões. Essa especialização diferencia-os do resto da humanidade. Submergidos em suas atividades estes não têm oportunidade para serem no meio dos homens, “iguais entre iguais”.

A especialização é o signo de nossa época. O gigantesco desenvolvimento do conhecimento nas ciências naturais, a centralização de esforços dos Institutos Universitários em torno das pesquisas físicas longe de prescindirem de um sentido humano à sua atividade, colocam-no com mais dramaticidade.

É o espantoso desenvolvimento das ciências naturais que revela o fato do homem achar-se num período de transição. Os velhos valores fenecem e os novos não foram ainda encontrados. Esse vácuo é preenchido pela incerteza do homem quanto ao seu destino.[1]

Numa época de especialização [2], a literatura define os ideais de um período de crise e transição. Daí toda grande obra literária ser de um período de transição (veja-se a importância da mensagem de Dante, Dostoievski ou Kafka).

Pois é nesses períodos que se põe dramaticamente ao homem essa interrogação: qual o sentido de sua vida, qual a significação do mundo que o cerca?

O médico, engenheiro, advogado, encarnam especializações necessárias ao exercício de suas atividades, mas têm em comum, um atributo, o de serem humanos e o de enfrentarem idênticos problemas numa sociedade em transição.

Somos filhos de uma sociedade individualista e liberal e caminhamos para um outro tipo de sociedade planificada. Como dar-se-á tal mudança? Quais os agentes desse processo? Não o sabemos. O que sabemos é que assistimos a um espetáculo de crise, de transição, onde os velhos quadros sociais desaparecem e os novos ainda não se estruturaram.

A literatura é uma forma de resposta a essa interrogação. Ela, pelos escritos de Homero transmitia-nos uma mensagem corporificando um tipo de homem: o cavaleiro e o nobre; pela pena de Hesíodo, transmitia-nos uma ética do trabalho e sua dignificação como sentido da vida.[3] Os escritos de Joyce, Kafka e Faulkner, constituem uma mensagem adequada aos tempos novos: as formas clássicas do romance estão fenecendo; cabe ao homem descobrir uma nova linguagem para exprimir novas experiências de uma nova vida.[4]

De todas as formas de arte a literatura é a mais próxima da vida e a mais sintética, pois reúne a arquitetura, quando no processo de composição do romance, a música, na estrutura melódica da frase, a pintura, no traçar o caráter dos personagens, a filosofia, ao definir seus ideais de vida. Daí sua importância para a cultura.

Sendo ela acessível aos diferentes especialistas, poderá formular novas formas de ação ética e padrões morais. Como um sismógrafo poderá ela captar o sentido interno da mudança que se opera no mundo. Para tal, conta com a intuição artística, que faz com que as mudanças sejam pressentidas antes pelos seus possuidores, passando depois aos campos sistemáticos do conhecimento.

A transição do século XIX e XX foi assinalada, em primeiro lugar, pelos impressionistas, pelo naturalismo literário e posteriormente pelos teóricos de política, economia e filosofia.

A literatura pertencendo a um dos campos assistemáticos do conhecimento tem esse poder. Pode auscultar as mudanças que se operam no mundo e pela imaginação de seus grandes nomes, definir ao homem comum, novos caminhos.

Se não conseguir formulá-los com nitidez, pelo menos servirá como testemunho de uma época. A época que produz Camus, Kafka e Faulkner [5], já escolheu seu destino: eles testemunham por ela.

Na época moderna à literatura cabe um papel integrador. O papel de superar o abismo existente entre a arte e a vida, arte e ciência, na medida em que ela mesma é concebida como uma forma de conhecimento dessa totalidade, que é o homem.

Cabe ao escritor viver plenamente sua época, pois só atinge a grandeza, aquele que sentiu seu próprio tempo. Este é o segredo da universalidade de um Goethe, Balzac ou Cervantes.

Nessa tentativa de traçar com lucidez os quadros do mundo, onde se desenrola o drama humano, num período de transição, é que a literatura deixará de ser o “sorriso da sociedade”, para ser testemunho de uma época, uma mensagem acessível a todos, que permitia ao homem independente de sua especialidade sentir-se junto ao seu semelhante, como “igual entre iguais”, cumprindo um sábio preceito chinês.

Se as profissões diferenciam o homem, cabe à arte uni-lo em torno de ideais comuns. Isso ela pode fazê-lo, pois sua linguagem é universal e a condição humana idêntica em toda a face da terra.

__________
* Trabalho premiado – prêmio Graciliano Ramos – no concurso de literatura para os universitários do país, instituído pelo Ministério de Educação e Cultura e pela revista O Cruzeiro, conforme sua publicação de 2-1-60. Fonte: Separata da Revista de História Nº 44 (FFCL - USP), São Paulo. Publicado na Revista Espaço Acadêmico, nº 07, dezembro de 2001. Disponível em http://www.espacoacademico.com.br/007/07trag_literatura.htm ** Licenciado em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.

LEIA MAIS EM:
FONTE: http://mauricio-tragtenberg.blogspot.com/2008/12/importncia-da-literatura-para-o-homem.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails

Postagens populares - Tudo

NUVEM DE TAGS

"ÍNDICE DE ABRIL 2009" "ÍNDICE DE AGOSTO 2009" "ÍNDICE DE DEZEMBRO 2008" "ÍNDICE DE FEVEREIRO 2009" "ÍNDICE DE JANEIRO 2009" "ÍNDICE DE JUNHO 2009" "ÍNDICE DE MAIO 2009" "ÍNDICE DE MARÇO 2009" ABAETE ADOLESCENTE ALIMENTAÇÃO AMÉRICA LATINA AMIGOS AMOR ANARQUISMO ANCORAMENTO ANTROPOLOGIA ANTROPOLOGIA SIMÉTRICA ARTE artigo AUDIO-VISUAL AUTODIDATISMO AUTORES BANDA LARGA MÓVEL BASE Beto Samu BIBLIOGRAFIA biblioteca BIBLIOTECAS ON LINE BLOGOSFERA BRASIL BRUNO LATOUR CAPES CAPITALISMO CELULAR CIBERCULTURA CIBORGUE CIDADANIA CIDADE ESCOLA APRENDIZ CIÊNCIA CINEMA CNPQ COLABORADORES COMUNICAÇÃO COMUNICAÇÃO DIGITAL CONSUMO CONVERSAS COOPERAÇÂO COSMOGENESE CRIANÇA CRODOWALDO PAVAN CULTURA HACKER CURSOS DEBATE DELEUZE DESIGN DIGITAL DIREITOS AUTORAIS DIREITOS HUMANOS DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DOUTORADO ECONOMIA SOLIDÁRIA EDUCAÇÃO EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA EDUCADORES EMAILS EMEF.DES.AMORIM LIMA ENTREVISTA ESCOLA ESTE BLOG EVENTO FAPESP FEEDS FESTIVAL FILOSOFIA FOUCALT FRACTAL FRAGMENTOS FRASE FUNDAMENTOS GAMES GLÓRIA KREINZ GRANDE IMPRENSA GRUPO DO YAHOO GRUPO YAHOO GUATTARI HISTÓRIA HOMEM HOMENAGEM IDOSOS IMAGEM INCCLUSÃO INDAGAÇÃO ÍNDICES INFORMAÇÃO INTELIGÊNCIA INTELIGÊNCIA COLETIVA INTERNET IVAN ILLICH JOGOS ELETRÔNICOS JOSÉ REIS Joyce Sanchotene Juliana Maria LEI DE LINUS leitura LEVY LINGUAGENS LITERATURA livro para download LIVROS LIXO Luiz de Campos MANIFESTO MANIPULAÇÃO MAPAS MARCELO ROQUE MAURÍCIO WALDMAN MEC MEIO AMBIENTE MÍDIAS MÍDIAS LIVRES MILTON SANTOS MODOLINKAR MULTIMANIFESTO MUNDIALIZAÇÃO MÚSICA MÚTUA AJUDA NADIA STABILE NANOBIOTECNOLOGIA NATUREZA Ney Mourão NJR-ECA/USP OMBUDSMÃE ORIENTE PALAVRAS-CHAVE PAULO FREIRE PERGUNTAS PESQUISA PODER POESIA POLITEIA POLÍTICA PÓS- GRADUAÇÃO PÓSHUMANO PROCESSOS PROF.OZAÍ PROFESSORES PROJETO PROJETO DE LEI PUC RECICLAGEM REDES RIZOMA ROBÓTICA ROMÂNTICOS CONSPIRADORES ROUSSEAU SANDRA GORNI BENEDETTI SANTAELLA SAÚDE SEMIÓTICA SEO SOCIEDADE SOFTWARE LIVRE SUCATA SUSTENTABILIDADE TECNOLOGIA TEIA MULTICULTURAL TESE texto TRABALHO TRAGTENBERG TRANSFORMAÇÃO Travelling School of Life UNIVERSIDADE URBE USP VIDA VÍDEO VOZ WEB 2.0 WIKIPÉDIA